WILSON GARCIA
Publicado em 26 de janeiro de 2017
A
profecia da data-limite atribuída ao famoso médium sepulta o bom-senso que
ornava a personalidade de Allan Kardec.
Há muito tempo que amigos querem me
envolver nas previsões atribuídas a Chico Xavier sobre uma espécie de fim de
mundo estabelecido para daqui a pouco. Perguntam-me constante e veementemente
se aceito tais previsões e, com certo afoitismo, que revela o desejo de obter
minha aprovação, saem a fazer palestras e seminários para disseminar a dita
profecia, quando não reproduzem o texto numa ansiedade irracional. Na verdade,
criam uma situação alarmante sob a aparência de um chamamento moral, imaginando
que dessa forma ajudam a estabelecer uma consciência de transformação moral
urgente como meio de salvar a Pátria do Evangelho e, por consequência, o mundo
inteiro. O homem habita a Terra há milhões de anos e os sonhadores de plantão
acham que podem dar um salto gigantesco, digno de uma olimpíada universal, em
poucos anos. A contar de 1969 seriam 50 anos, mas como já estamos em 2017, não
restam mais do que 2 anos. Por isso, grassa a ilusão do temor que amortece o
bom-senso, colocando em seu lugar uma impossível chegada ao Olimpo espiritual
nos primeiros lugares da corrida.
Temos
três personagens centrais nessa trama: Chico Xavier, reproduzido pela mente de
Geraldinho Lemos Neto, e Marlene Nobre, mais uma vez ela, a quase patrona da
frágil tese da reencarnação de Kardec como Chico. Este nada disse por si de
modo público, uma vez que não publicou em entrevistas ou livros quaisquer
comentários sobre uma certa previsão para o ano de 2019. Geraldinho é a fonte
de tal proeza e Marlene, antes de sua partida do plano terráqueo, aquela que
deu à luz a palavra de Geraldinho, tudo isso há cerca de seis anos atrás, ou
seja, em 2011. Marlene sempre deu mostras de sua atração pelo mistério, mas
depois que abriu as portas da Folha Espírita para difundir a insustentável tese
de Chico-Kardec passou a tratar todos os dados sobre Chico como dignos de
publicação sensacionalista e “prova” da referida tese. Já Geraldinho saiu fortalecido
com a partida de Marlene para o mundo invisível e passou a ocupar o centro das
atenções quando se trata da dita profecia de Chico Xavier. Virou um superstar,
o portador e o intérprete da mensagem, ocupando assim o mundo das
representações imagéticas, rodeado de atores coadjuvantes que escancaram seus
dentes para agradar e fazer eco nas plateias ávidas de novidades, aquelas
plateias sempre prontas a acolher os espetáculos de destruição e morte. Em seu
site, Geraldinho comemora com estardalhaço os 3 milhões de visualizações pelo
YouTube do vídeo de mais de uma hora feito com o requinte das grandes produções
e hipnotiza as plateias pouco lúcidas. Veja neste endereço: http://www.vinhadeluz.com.br/site/noticia.php?id=2587 .
Quem
ler a entrevista de Geraldinho Lemos Neto – note-se, ferrenho defensor da tese
Chico-Kardec – com um mínimo de bom-senso descartiniano há
de ficar pasmo com as informações ali apresentadas. Ela está neste endereço: https://osegredo.com.br/2015/04/a-profecia-de-chico-xavier-para-2019-para-ler-reler-refletir-e-meditar/ .
Ao fazê-la e publicá-la com tal destaque, Marlene mostrou que já não estava
mais no domínio da parte mais valiosa do bom-senso que lhe restava. Parece que
se agitava dentro dela aquele estranho prazer pelo maravilhoso, principalmente
tendo por centro Chico Xavier, o mesmo prazer que se encontra na base daqueles
que saem publicando ou falando em palestras nos centros espíritas do Brasil
afora sobre a suposta profecia, certamente cumprindo à risca o dito popular que
afirma: “quem conta um conto aumenta um ponto”, pois é preciso traçar a
previsão com as cores fortes do desastre iminente. A vida sem um pouco de
ficção acaba sendo dura demais para todos. E neste tipo de ficção o ingrediente
mais eficiente e de efeito duradouro é sem dúvida o suspense. Os espectadores
da data-limite aguardam ansiosos pelo ano de 2019. Os do lado de cá do
continente americano se assentam na crença de estar a salvo dos tsunamis
iminentes, mas não tão tranquilos devem estar os do continente europeu, afinal
são para eles as piores previsões. A menos que um grande salto de qualidade
moral haja sido dado pela população terrena, a ponto de tornar desnecessários
os grandes desastres geológicos que levariam para o fundo do mar imensas quantidades
de terras e bilhões de seres, tornando-se assim efetiva uma outra espécie de
seleção natural.
Para entender a revelação da data
limite é preciso, em primeiro lugar, saber que ela não surge diretamente da
boca de Chico Xavier, mas vem pelas palavras de Geraldinho, que as apresenta
tempos após a morte do corpo físico do médium mineiro, ou seja, cerca de nove
anos depois. Com seu sorriso calibrado e sua voz macia, Geraldinho conta para
Marlene uma história comovente em que se faz portador da notícia profética, sem
entender porque logo ele, mas sentindo-se comprometido com o fato de que se
Chico a contou era porque se tratava de algo sério a ser passado adiante. Se
tão importante era, por que o próprio Chico não a tornou pública, há de se
perguntar? Enfim, todo o crédito está na palavra de Geraldinho, sendo ele o
fiador de tudo o que diz respeito à profecia.
Marlene acreditou em Geraldinho como
acreditaria em todo aquele que trouxesse quaisquer signos sonoros originais
atribuídos a Chico. Vivia no topo da montanha das crenças embaladas pela
revelação de que Chico e Kardec formaram um só corpo. Geraldinho era do seu
círculo, comungava com as ideias que ela defendia e trazia o frescor da
juventude, da renovação, enquanto que Marlene representava o passado e sabia-se
próxima do fim. Com o aval de Marlene a profecia adquiriu força e espalhou-se,
logo encontrando eco numa grande quantidade de pessoas que estão sempre à
espera dos sinais das lideranças para saírem reproduzindo sem maiores cuidados
a fumaça icônica do alto da montanha. São em grande parte seres dependentes dos
líderes, incapazes de decidirem por si mesmos, de pensarem sem a cabeça alheia.
Mas como diz Herculano Pires, aqueles que dependem de líderes para evoluírem
não estão preparados para o progresso. Dura realidade.
Se Geraldinho disse que Chico disse,
então Chico disse. Tempos depois veio um médium dizer que Chico não disse, mas
já era tarde. Geraldinho que, jovem, encaracolou-se no colo de Chico e recebeu
dele meigos afagos, agora anda e fala com o aval do Chico, a dividir com
aqueles que se irmanam nas mesmas crenças a primazia do mito, abrindo o fosso
que distancia dia a dia o homem do santo, para que apenas este prevaleça. A
notícia se espalhou de tal forma que em nenhum lugar se diz que a fonte é o
Geraldinho, pelo contrário, todas as manchetes remetem a Chico Xavier, pois
para todos foi ele, o médium famoso, que disse. Até mesmo Marlene Nobre, na
publicação de 2011, omite na manchete o nome de Geraldinho, pois diz:
“Revelações apontam que o futuro da Terra está nas mãos do homem”.
Seguiu-se a essa manchete a seguinte explicação: “Em razão da gravidade
do assunto, trazemos aos leitores da Folha Espírita a revelação feita
pelo mais importante médium da história humana, Francisco Cândido Xavier,
a Geraldo Lemos Neto, fundador da Casa de Chico Xavier, de Pedro Leopoldo
(MG), e da Vinha de Luz Editora, de Belo Horizonte (MG), em 1986, sobre o futuro
que está reservado ao planeta Terra e a todos os seus habitantes nos próximos
anos”. Ou seja, Marlene não coloca em dúvida em momento algum a palavra de
Geraldinho, antes, atribui-lhe o caráter de verdade revelada por Chico,
firmando assim a autoria como se feita diretamente pelo médium mineiro. Em
vista disso, hoje todos dizem que Chico disse. Há até mesmo um site na Internet
com a seguinte chamada: “2019, ano em que Chico Xavier será testado”. Ou seja,
todo o crédito agora é dado para o Geraldinho, mas o descrédito, quando vier,
será para o Chico. Geraldinho conseguiu o que queria, tornar-se o epicentro da
profecia sendo apenas o seu fiador insuspeito. Resta saber se vai ter a coragem
de assumir a derrocada “quando o carnaval chegar”, ele, que manteve silêncio
sobre uma previsão que entende de imensa gravidade, de 1986 até 2011, ou seja,
por 25 anos. Sem contar que a profecia diz respeito a um suposto período de 50
anos que começa em 1969 e termina em 2019, sendo que até 1986, quando lhe teria
sido revelada, já se haviam passado outros 17 anos. Restavam, então, apenas 8
anos para que a data-limite chegasse, sem que ninguém, absolutamente ninguém
dela tomasse conhecimento e o médium, o suposto autor, já havia partido em
direção ao invisível.
Mas o que é mesmo que Geraldinho
disse que Chico disse? Narra ele algo como uma reunião entre potestades
angélicas (assim mesmo, em estilo hiperfantástico) coordenada por Jesus, em que
os grandes espíritos demonstram preocupação com a Terra e seu atraso moral,
tendo o mestre resolvido contra a vontade de alguns dirigentes de outros
planetas do sistema solar, dar uma espécie de moratória à Terra, estendendo por
50 anos o prazo para que mudanças profundas ocorressem e, ante o
descontentamento de alguns, Jesus impôs que os homens teriam por obrigação
barrar a deflagração de uma III Guerra Mundial, caso contrário o planeta
passaria por terríveis conturbações geológicas, com terremotos, ondas gigantes,
erupção de vulcões e toda sorte de fenômenos telúricos, de modo a tornar
impossível a vida no Hemisfério Norte. Isso obrigaria a que os habitantes de lá
que se salvassem viessem para o Hemisfério Sul, numa espécie de tomada à força
do continente sul-americano. Entre as consequências estaria a divisão do Brasil
em quatro partes. Se, pelo contrário, o homem conseguisse manter a paz e
instalasse a fraternidade, o mundo entraria definitivamente na era da
Regeneração, sendo, então, permitido inúmeras conquistas imediatas, tais como a
extinção de todas as doenças, a convivência com extraterrestres de forma aberta
(que nos trariam inúmeras avanços com suas tecnologias de ponta), a relação
mais direta dos terráqueos com os espíritos dos familiares e amigos que
partiram e assim por diante. Só falta esclarecer se os animais já estariam
também mansos e pacíficos, como ingenuamente sonha certa parcela de seres humanos.
A crer nesta série de revelações
espetaculares, trazidas por alguém que não esconde ser há muito tempo um
admirador das grandes profecias, especialmente do Apocalipse de João, ter-se-á
de abandonar o bom-senso que tão bem ornou a personalidade de Allan Kardec e
ficar com informações que conflitam diretamente com a própria história da
humanidade. Kardec mesmo, tomado de sinceridade, chegou a escrever que as
transformações pelas quais a Terra haveria de passar estavam muito mais
relacionadas às mudanças morais do que às transformações geológicas de tipo
catastróficas. Qualquer análise que se faça da evolução humana dos últimos 50
anos mostrará que ela se tonou ínfima do ponto de vista dos avanços morais e
que o progresso aí jamais ocorrerá através de saltos, mas de experiências
contínuas de longo prazo. Assim, caso a III Guerra seja mesmo evitada, nada
provará que o avanço moral tenha colocado o ser humano em condições de viver
num mundo de fraternidade absoluta pós-2019, de respeito ao outro, de solidariedade
capaz de eliminar as diferenças sociais, as injustiças e coisas dessa ordem,
fundamentais para um equilíbrio sustentável.
Todos sabem que até 2019 e após 2019
a possibilidade de um terceiro conflito bélico mundial permanecerá rondando as
nações dos dois hemisférios e poderá ser deflagrado a qualquer momento. De que
maneira então será possível compreender essas promessas feitas por Jesus para
depois de 2019, onde teria início um mundo dos sonhos, tendo por atores os
mesmos seres egoístas do mundo em curso? Aliás, é importante que se diga que
uma III Guerra mundial já se encontra em andamento e apenas não foi como tal
reconhecida ainda. A julgar pelos inúmeros conflitos que ocorrem nas diferentes
partes do globo, com todo tipo de armas bélicas, não precisaríamos de um
conflito mundial aberto porque já estamos nele. Que país estará imune a esses
conflitos? Quem e quando porá fim aos embates entre diversos e diferentes
povos? Quem será capaz de impedir que os interesses externos continuem a
estimular tais conflitos, a fim de obter vantagens sectárias? Quem será capaz
de acabar de vez com as inúmeras lutas intestinas das várias nações do chamado
primeiro mundo? Quem colocará na sociedade brasileira a consciência para um
agir eficaz em favor da paz e da justiça, garantindo os direitos humanos para
todos em todos os quadrantes desta pátria que hoje não justifica sequer o
dístico de terra da fraternidade, quanto mais de Pátria do Evangelho. Nada
disso ocorrerá, ousamos dizer, sequer até 2119, porque se trata de conquistas
próprias da experiência humana, são coisas que não podem ser impostas, nem
determinadas de cima para baixo, nem obtidas por meio apenas de leis rigorosas,
menos ainda com prazos fixos. Todo estabelecimento de datas para que
transformações tão profundas ocorram será mero exercício matemático sem
quaisquer formas de garantia.
O apocalipse do Geraldinho é uma
encenação de mau gosto. Se o Chico sonhou em voz alta e o seu intérprete tomou
suas palavras como profecia, acabou por enredá-lo na trama de uma ficção
hiperfantástica, onde os personagens assumem papéis próprios da inventividade
humana, mas sem conexão com a realidade do mundo. É preciso lembrar que esses
enredos são a repetição de representações antigas onde o simbolismo prepondera
com mediana clareza, mas sem o caráter determinista que agora se lhe quer
atribuir. As velhas profecias eram dadas à interpretação humana, a da
data-limite é colocada como verdade definitiva, acabada, tudo em nome de um
homem agora ausente e em contraste com a lógica de uma doutrina extraordinária.
Publicado em Artigos, Espiritismo, Imprensa por wgarcia.
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obrigada aos amigos que nos honram com suas presenças
ResponderExcluirInteressante e profundo texto. Bom te ver,Zilda! Lindo fds! bjs, chica
ResponderExcluirOi, Zilda! Tô passado rapidinho pra deixar um beijo. Mais tarde leio o post com calma, ok?
ResponderExcluirQue Jesus permaneça contigo!
Querida Zilda, concordo plenamente com você. Da minha parte, sugiro que as pessoas leiam nos evangelhos o que Jesus disse a respeito, acho que em Mateus está longamente descrito e que cada pessoa "sinta" em seu coração e de acordo com suas próprias luzes, o que Ele quis dizer. Sobre o tema, há muita especulação improcedente circulando por aí. Adorei a sua coragem de questionar e escrever a respeito. Bjão da fip
ResponderExcluirBoa noite, querida Zilda!
ResponderExcluirTão bom ver vc postando de novo!
Espero que esteja bem em todos os níveis...
Bjm muito fraterno
Há quanto tempo não visitava esta bela casa da net, hoje cliquei no link que eu mesma coloquei na lateral do blog e cheguei aqui, não sei porque me perdi deste caminho de luz. Agora quando há postagem eu amo e respeito muito Chico Xavier para concordar com diz que me diz a seu respeito, o Geraldinho não deveria fazer isso, imagino o tanto que o Chico se entristece, porque embora alguns digam o contrário mesmo o mais evoluido irmão sente tristeza, entende, perdoa mas momentaneamente se entristece. E polemica é o que ele quer, mais polemica mais ibope, os que amam o Chico Xavier deveriam ignorar e deixar que caia no esquecimento. Rápido verão que o embusteiro cairá em suas próprias armações. Beijos Linda
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