por ALLAN KARDEC – tradução de José Herculano Pires
126. Dissemos que os Espíritos se
apresentam vestidos de túnicas, envoltos em panos flutuantes ou com as roupas
comuns. Os panos flutuantes parecem ser de uso geral no mundo os Espíritos. Mas
perguntam-se onde eles encontram roupas inteiramente semelhantes às que usavam
em vida, com todos os acessórios do traje. É evidente que não levaram esses
objetos com eles, pois que ainda se encontram conosco. De onde provém então o
que eles usam no outro mundo?
Esta questão era bastante intrigante,
mas para muitas pessoas não passava de simples curiosidade. Não obstante,
implicava um problema de grande importância, pois sua solução nos encaminhou à
descoberta de uma lei geral que igualmente se aplica ao nosso mundo corpóreo.
Numerosos fatos vieram complicar o assunto e demonstrar a insuficiência das
teorias aventadas.
Até certo ponto seria admissível a existência
do traje porque se pode considerá-lo como de alguma maneira fazendo parte do
indivíduo. Já não se dá o mesmo, porém, com os objetos acessórios. Como a
tabaqueira do visitante da senhora doente de que tratamos no nº 117. Notemos
que naquele caso não se tratava de um morto, mas de um vivo, e que o visitante
ao voltar em pessoa tinha uma tabaqueira inteiramente igual. Onde, pois, o seu
Espírito encontrara a que usava ao pé do leito da senhora doente? Poderíamos
citar numerosos casos em que Espíritos de mortos ou de vivos aparecem com
diversos objetos, como bengalas, armas, cachimbos, lanternas, livros,etc.
Tivemos então a idéia de que os
corpos inertes poderiam possuir correspondência etéreos no mundo invisível, que
a matéria condensada que forma os objetos poderia ter uma parte quintessenciada
inacessível aos nossos sentidos.(1) Essa
doutrina não era destituída de verossimilhança, mas não podia explicar todos os
fatos. Havia um, sobretudo, que parecia desafiar todas as interpretações. Até
então se tratava apenas de imagens ou aparências, e já vimos que o perispírito
pode adquirir as propriedades da matéria e tornar-se tangível. Mas essa
tangibilidade é passageira e os corpos sólidos se desvanecem como sombras.
Não há dúvida de que se trata de
fenômeno extraordinário, mas o que o ultrapassa é a produção de matéria sólida
persistente, provada por numerosos fatos autênticos, notadamente os de escrita
direta de que tratemos com minúcias em capítulo especial. Entretanto, como
esses fenômenos se ligam intimamente ao assunto em causa, representando uma das
suas manifestações mais positivas, anteciparemos a ordem em que deviam
aparecer.
127. A escrita direta ou
pneumatografia é a que se produz espontaneamente, sem o concurso das mãos do
médium nem do lápis.(2) Basta
tomar folha de papel em branco, o que se pode fazer com todas as precauções
necessárias para se prevenir qualquer fraude, dobrá-la e depositá-la em algum
lugar, numa gaveta ou sobre um móvel. Se houver condições, dentro de algum
tempo aparecerão traçados no papel letras os sinais diversos, palavras, frases
e até mesmo comunicações. Na maioria das vezes com uma substância escura,
semelhante à grafita, e de outras com lápis vermelho, tinta comum e mesmo tinta
de impressão.
Eis o fato em toda a sua simplicidade
e cuja reprodução, embora pouco comum, não é tão rara, pois há pessoas que a
conseguem com muita facilidade. Pondo-se um lápis junto com o papel, poder-se-ia
crer que o Espírito o utilizou, mas se o papel estiver só é evidente que a
escrita foi produzida por matéria nele depositada. De onde o Espírito tomou
essa matéria? Essa a questão a cuja solução fomos levados pela tabaqueira a que
há pouco no referimos.
128. Foi o Espírito São Luís que nos
deu a solução com as seguintes respostas:
1. Citamos um caso de aparição do
Espírito de pessoa viva. Esse Espírito tinha uma tabaqueira e tomava pitadas.
Experimentava ele a sensação que experimentamos no caso?
— Não.
2. A tabaqueira tinha a mesma forma
da que ele usava habitualmente e que estava em sua casa. O que era essa
tabaqueira nas mãos desse homem?
— Uma aparência. Era para ser notada,
como foi, e para que a aparição não fosse tomada por alucinação produzida pelo
estado de saúde da vidente. O Espírito queria que a senhora acreditasse na
realidade da sua presença e tomou todas as aparências da realidade.
3. Disseste que era uma aparência,
mas uma aparência nada tem de real, é como uma ilusão de óptica. Queremos saber
se essa tabaqueira era uma imagem irreal ou se havia nela algo de material.
— Certamente. É com a ajuda desse
princípio material que o Espírito aparenta vestir-se com roupas semelhantes às
que usava quando vivo.
Nota de Kardec: É evidente
que devemos entender a palavra aparência no seu sentido de aspecto, de
imitação. A tabaqueira real não estava com o Espírito. A que ele segurava era
apenas a sua representação. Era, pois, uma aparência, em relação ao
original,embora constituída por um princípio material.
A experiência nos ensina que não
devemos tomar sempre ao pé da letra as expressões usadas pelos Espíritos.
Interpretando-as segundo as nossas idéias, expondo-nos a grandes decepções. É
por isso que precisamos aprofundar o sentido de suas palavras quando apresenta
a menor ambigüidade. Essa recomendação os próprios Espíritos nos fazem
constantemente. Sem a explicação que provocamos, a palavra aparência, sempre
repetida nos casos semelhantes, poderia ser falsamente interpretada.(3)
4. Seria um desdobramento da matéria
inerte? Haveria no mundo invisível uma matéria essencial que revestiria as
formas dos objetos que vemos? Numa palavra, esses objetos teriam o seu duplo
etéreo no mundo invisível, como os homens são ali representados pelos Espíritos?
— Não é assim que isso se dá.O
Espírito dispõe sobre os elementos materiais dispersos por todo o espaço da
vossa atmosfera, de um poder que estais longe de suspeitar. Ele pode concentrar
esses elementos pela sua vontade e dar-lhe a forma aparente que convenha às
suas intenções.
Nota de Kardec: Essa
pergunta, como se vê, era a tradução do nosso pensamento, da idéia que havíamos
formado sobre a natureza desses objetos. Se as respostas fossem, como pretendem
alguns, o reflexo do pensamento do interpelante, teríamos obtido a confirmação
da nossa teoria, em vez da teoria contrária.
5. Coloco de novo a questão de
maneira categórica, a fim de evitar qualquer equívoco: as roupas dos espíritos
são alguma coisa?
— Parece-me que a resposta precedente
resolve a questão. Não sabes que o próprio perispírito é alguma coisa?
6. Resulta desta explicação que os
Espíritos submetem a matéria etérea às transformações que desejam. Assim, por
exemplo, no caso da tabaqueira o Espírito não a encontrou feita, mas ele mesmo
a produziu, quando dela necessitou, por um ato da sua vontade, e da mesma
maneira a desfez. É isso mesmo que se dá com todos os outros objetos, como as
roupas, as jóias, etc…?
— Mas é evidente.
7. Essa tabaqueira foi vista pela
senhora como se fosse real. O Espírito poderia torná-la tangível para ela?
— Poderia.
8. Se fosse o caso, a senhora poderia
pegá-la, acreditando ter nas mãos uma tabaqueira real?
— Sim.
9. Se ela abrisse, provavelmente
encontraria tabaco, e se o tomasse espirraria?
— Sim.
10. Então o Espírito pode dar não
somente a forma do objeto, mas também as suas propriedades especiais?
— Se o quiser. Foi em virtude desse
princípio que respondi afirmativamente às perguntas anteriores. Terás provas da
ação poderosa que o Espírito exerce sobre a matéria e que estás longe de supor,
como já disse.
11. Suponhamos que ele quisesse fazer
uma substância venenosa e que uma pessoa a tomasse. Ficaria envenenada?
— O Espírito poderia fazê-la, mas não
a faria porque isso não lhe é permitido.
12. Poderia fazer uma substância
salutar, apropriada à cura de uma doença, e isso já aconteceu?
— Sim, muitas
vezes.
13. Poderia então, da mesma maneira,
fazer uma substância alimentar? Suponhamos que fizesse uma fruta ou uma iguaria
qualquer. Alguém poderia comê-la e sentir-se saciado?
— Sim, sim. Mas não procures tanto
para achar o que é tão fácil de compreender. Basta um raio de sol para tornar
perceptíveis aos vossos órgãos grosseiros as partículas materiais que enchem o
espaço no meio do qual vives. Não sabes que o ar contém vapor dágua?
Condensa-os e voltarão ao estado normal. Priva-os de calor e verás que essas
moléculas impalpáveis e invisíveis se transportam num corpo sólido e bem
sólido. Assim muitas outras substâncias de que os químicos ainda tirarão
maravilhas mais espontâneas. Mas acontece que o Espírito possui instrumentos
mais perfeitos que os vossos: à vontade e a permissão de Deus.
Nota de Kardec: A questão da
saciedade é neste caso muito importante. Como uma substância que só tem
existência e propriedades temporárias e de certa maneira convencionais pode
produzir a saciedade? Essa substância, em seu contato com o estômago, produz a
sensação da saciedade, mas não a saciedade propriamente dita que resulta da
plenitude. Se essa substância pode agir na economia orgânica e modificar um
estado mórbido, pode também agir sobre o estômago e provocar uma sensação de
saciedade. Mas pedimos aos senhores farmacêuticos e donos de restaurantes para
não se enciumarem nem pensarem que os Espíritos lhes venham fazer concorrência.
Esses casos são raros excepcionais e não dependem jamais da vontade de alguém,
pois do contrário todos se alimentariam e curariam de maneira vantajosa.
14. Os objetos que à vontade do
Espírito tornaram tangíveis poderiam permanecer nesse estado e ser usados?
— Isso poderia acontecer, mas isso
não se faz porque é contrário às leis.
15. Todos os Espíritos têm no mesmo
grau o poder de produzir, objetos tangíveis?
— O certo é que o Espírito, quanto
mais elevado, mais facilmente o consegue, mas isso também depende das circunstâncias:
os Espíritos inferiores podem ter esse poder.
16. O Espírito tem sempre consciência
da maneira pela qual produz as suas roupas ou dos objetos que tornam aparentes?
— Não. Muitas vezes
ajuda a formá-los por uma ação instintiva, que ele mesmo não compreende, se não
estiver suficientemente esclarecido para isso.
17. Se o Espírito pode tirar do
elemento universal os materiais para essas produções, dando a essas coisas uma
realidade temporária, com suas propriedades, pode também tirar o necessário
para escrever, o que nos daria a chave do fenômeno de escrita direta?
— Afinal, chegaste onde querias!
Nota de Kardec: Com efeito,
era a isso que desejamos chegar com todas as nossas perguntas preliminares. A
resposta prova que o Espírito terá o nosso pensamento.
18. Se a matéria de que o Espírito se
serve não tem persistência, como os traços da escrita direta não desaparecem?
— Não tires conclusões das palavras.
Para começar, eu não disse: jamais. Tratava-se de objeto material volumoso.
Nesse caso, são sinais escritos que é útil conservar e se conservam. O que eu
quis dizer é que os objetos assim compostos pelo Espírito não poderiam
tornar-se de uso, porque na realidade não possuem a mesma densidade material
dos vossos corpos sólidos.
129. A teoria acima pode ser
resumida. O Espírito age sobre a matéria; tira da matéria cósmica universal os
elementos necessários para formar, como quiser, objeto com a aparência dos
diversos corpos da Terra. Pode também operar, pela vontade, sobre a matéria
elementar, uma transformação íntima que lhe dê certas propriedades. Essa
faculdade é inerente à natureza do Espírito, que a exerce muitas vezes de
maneira instintiva e, portanto, sem o perceber, quando se faz necessário. Os
objetos formados pelo Espírito são de existência passageira, que depende da sua
vontade ou da necessidade: ele pode fazê-los e desfazê-los a seu bel-prazer.
Esses objetos podem, em certos casos, parecer para os vivos perfeitamente
reais, tornando-se momentaneamente visíveis e mesmo tangíveis. Trata-se de
formação e não de criação, pois o Espírito não pode tirar nada do nada.
130. A existência de uma matéria
elementar única é hoje quase geralmente admitida pela ciência e os Espíritos a
confirmam, como acabamos de ver. Essa matéria dá origem a todos os corpos da
Natureza. As suas transformações determinam as diversas propriedades dos
corpos. É assim que uma substância salutar pode tornar-se venenosa por uma
simples modificação. A Química nos oferece numerosos exemplos nesse sentido.
Todos sabem que duas substâncias
inofensivas, combinadas em certas proporções, podem resultar numa deletéria.
Uma parte de oxigênio e duas de hidrogênio,ambas inofensivas, formam a água.
Basta acrescentar um átomo de oxigênio e teremos um líquido corrosivo. Mesmo
sem alterar as proporções, muitas vezes é suficiente uma simples modificação na
forma de agregação molecular para mudar as propriedades. É assim que um corpo
opaco pode tornar-se transparente e vice-versa. Desde que o Espírito, através
apenas da sua vontade, pode agir tão decisivamente sobre a matéria elementar,
compreende-se que possa formar substâncias e até mesmo desnaturar as suas
propriedades, usando a própria vontade como reativo.(4)
131. Esta teoria nos dá a solução de
um problema do magnetismo, bem conhecido mas até hoje, inexplicado, que é o
fato da modificação das propriedades da água pela vontade. O Espírito agente é
o do magnetizador, na maioria das vezes assistido por um Espírito desencarnado.
Ele opera uma transmutação por meio do fluido magnético que, como já dissemos,é
a substância que mais se aproxima da matéria cósmica ou elemento universal. E
se ele pode produzir uma modificação nas propriedades da água, pode igualmente
fazê-lo no tocante aos fluidos orgânicos, do que resulta o efeito curativo da
ação magnética convenientemente dirigida.
Sabe-se o papel capital da vontade em
todos os fenômenos magnéticos. Mas como explicar a ação material de um agente
tão sutil? A vontade não é uma entidade, uma substância e nem mesmo uma
propriedade da matéria mais eterizada: é do atributo essencial do Espírito, ou
seja, do ser pensante. Com a ajuda dessa alavanca ele age sobre a matéria
elementar e em seguida reage sobre os seus componentes, com o que as
propriedades íntimas podem ser transformadas.
A vontade é atributo do Espírito
encarnado ou errante. Daí o poder do magnetizador,que sabemos estar na razão da
força da vontade. O Espírito encarnado pode agir sobre a matéria elementar e
portanto modificar as propriedades das coisas dentro de certos limites. Assim
se explica a faculdade de curar pelo contacto e a imposição das mãos,que
algumas pessoas possuem num elevado grau. (Ver no capítulo sobre os Médiuns o
tópico referente a médiuns curadores. Ver ainda na Revista Espírita, nº de
julho de 1859, os artigos. O Zuavo de Magenta e Um Oficial do Exército da
Itália).(5)
(1) Essa teoria do duplo etéreo das
coisas é verdadeira a tanto para o Espiritismo quanto para outras correntes
espiritualistas, mas não se aplica ao caso das aparições. A explicação dos
Espíritos revela mais uma vez a sua independência em relação às idéias
admitidas, mesmo tradicionalmente, em nossos sistemas. (N. do T.)
(2) Posteriormente admitiu-se a escrita
direta por meio de lápis e outros instrumentos, mas sem o uso das mãos. Ver as
experiências de Zolner com o médium Slade, em Provas Científicas da
Sobrevivência. (N. do T.)
(3) Esta observação de Kardec é de maior
importância para todos os que de dedicam ao Espiritismo prático. Os Espíritos
estão num mundo diferente do nosso e mesmo quando usam a nossa linguagem esta
nem sempre corresponde à nossa maneira de ver. Precisamos estar atentos ao que
dizem e provocam todos os esclarecimentos que nos parecem necessários. O
problema da linguagem dos Espíritos, já levantado por Kardec, requer estudos
aprofundados que ainda estão por ser feitos. (N. do T.)
(4) Todas estas questões estão sendo hoje
sancionadas pelo avanço das Ciências em seus vários ramos. O desenvolvimento da
Física nuclear ampliou as possibilidades acima referidas por Kardec. Hoje se
sabe que a matéria elementar é uma realidade e sua natureza não é atômica, mas
subatômica. O fluido universal dos Espíritos tão ridicularizado até a pouco, já
é admitido pela Ciência com outros nomes: o oceano de elétrons livres da teoria
de Dirac, os campos de força, o poder desconhecido que está por trás da
energia, segundo Arthur Compton e que parece ser pensamento, etc. Quando à ação
da vontade sobre a matéria a Medicina Psicossomática e a Parapsicologia se
incumbiram de prová-la, mesmo nos encarnados. (N. do T.)
(5)Os estudos de Hipnotismo científico definiram a
hipnose como simples sugestão, relegando ao passado o problema da ação
fluídica, considerada como superstição. Mas o magnetismo é elemento
natural, cujas manifestações e aplicações não se limitam ao tipo de hipnose
clínica. Nesta, ele se manifesta em função autógena, mas a maioria de suas
manifestações é exógena. A modificação das propriedades da água pode ocorrer
como simples sugestão, limitada ao paciente, mas há também fenômenos materiais
de alteração dessas propriedades, perspectivas por todos. No primeiro caso não
houve modificação alguma na água,mas apenas na percepção do paciente. No
segundo,as modificações são reais. Os casos dessa natureza ocorrem facilmente
com médiuns de efeitos físicos. Atualmente os parapsicólogos procuram explicar
esses fenômenos como ação de mente a matéria, com a denominação
técnica de psicocinesia. Também neste campo a tese espírita permanece e a
Ciência vai aos poucos se reaproximando dela. René Sudre antiespírita
irredutível, ainda recentemente, no seu “Tratado de Psicologia”,anota o
seguinte: A descoberta dos elétrons materiais leva-nos mais ou menos a teoria
newtoniana da emissão. Eis,pois, que o fluido reaparece no próprio coração da
Física contemporânea. (N. do T.)
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